Para a maioria das pessoas das modernas sociedades urbanas, a principal forma de contacto com os animais não humanos é à hora das refeições. O uso de animais na alimentação é provavelmente a mais antiga e a mais difundida forma de utilização dos animais. Num certo sentido trata-se também da forma mais básica de utilização dos animais, a pedra basilar em que assenta a crença de que os animais existem para o nosso prazer e conveniência. Se os animais contarem por si mesmos, a utilização que fizermos deles para a alimentação torna-se questionável -- em especial quando a carne dos animais representa mais um luxo que uma necessidade. Os Esquimós, que vivem num ambiente em que têm de matar animais para a sua alimentação ou morrer de fome, podem justificar-se dizendo que o seu interesse em sobreviver se sobrepõe ao dos animais que matam.
A maioria de nós não pode defender a sua dieta deste modo. Os cidadãos das sociedades industrializadas podem facilmente obter uma alimentação adequada sem a utilização da carne dos animais. O peso esmagador das provas médicas indica que a carne dos animais não é necessária para a boa saúde nem para a longevidade. Tão-pouco é a produção de animais nas sociedades industrializadas uma forma eficiente de produção de alimentos, dado que a maioria dos animais consumidos foi engordada com cereais ou outros alimentos que poderíamos comer directamente. Quando alimentamos esses animais com cereais, apenas cerca de 10 “do valor nutritivo se conserva na forma de carne para consumo humano. Portanto, com excepção dos animais criados inteiramente à base de terras de pastagens impróprias para cultivo, os animais não são comidos por motivos de saúde nem para aumentar a nossa quantidade disponível de alimentos. A sua carne é consumida como um luxo, porque as pessoas apreciam o seu sabor. Ao avaliarmos a ética da utilização da carne de animais na alimentação humana nas sociedades industrializadas, estamos a considerar uma situação na qual um interesse humano relativamente menor tem de ser contrabalançado pelas vidas e pelo bem-estar dos animais afectados. O princípio da igualdade na consideração de interesses não permite que interesses maiores sejam sacrificados a interesses menores. A argumentação contra a utilização de animais para a alimentação ganha especial relevância quando os animais são submetidos a condições de vida miseráveis, para os seres humanos disporem da sua carne ao mais baixo custo possível.
As modernas formas de criação intensiva aplicam a ciência e a tecnologia em prol da atitude segundo a qual os animais são objectos para o nosso uso. Para ter carne na mesa a um preço acessível, a nossa sociedade tolera métodos de produção de carne em que se aprisionam animais sencientes em condições superlotadas inadequadas durante a totalidade da sua vida. Os animais são tratados como máquinas que convertem forragem em carne e toda a inovação que resulta numa "taxa de conversão" mais elevada, é susceptível de ser adoptada. Como disse uma autoridade na matéria, "a crueldade só é reconhecida quando o lucro cessa". Para evitar o especismo temos de pôr fim a essas práticas. A nossa prática habitual é tudo aquilo de que a pecuária industrial necessita. A decisão de deixar de lhes dar esse apoio pode ser difícil, mas é menos difícil do que teria sido para um branco do Sul dos Estados Unidos desafiar as tradições da sua sociedade e libertar os seus escravos; se não alterarmos os nossos hábitos alimentares, como podemos censurar os esclavagistas que não queriam mudar os seus hábitos de vida? Estes argumentos aplicam-se aos animais criados em unidades industriais -- o que significa que não devemos comer frango, porco ou vitela, a menos que saibamos que a carne que estamos a comer não foi produzida por métodos industriais.
O mesmo se aplica à carne de vaca proveniente de gado bovino encerrado em manjedouras superlotadas (como acontece com a maioria da carne de vaca que se consome nos Estados Unidos). Os ovos são produzidos por galinhas mantidas em pequenas jaulas metálicas, tão pequenas que nem sequer permitem que as galinhas estendam as asas, a não ser que os ovos sejam especificamente vendidos como "ovos do campo", (ou a não ser que uma pessoa viva num país relativamente esclarecido como a Suíça, que proíbe o sistema de gaiolas para as galinhas). Estes argumentos não nos forçam a adoptar na íntegra uma dieta vegetariana, uma vez que certos animais, como as cabras e as ovelhas e, em certos países, as vacas, ainda pastam livremente no campo. Esta situação pode mudar. O sistema americano de engordar o gado bovino em unidades superpovoadas está a espalhar-se a outros países.
Entretanto, a vida dos animais do campo é decerto melhor que a dos animais criados em unidades industriais. Continua, porém, a ser duvidoso que utilizá-los para a alimentação seja compatível com a igualdade na consideração de interesses. Um dos problemas reside, como é evidente, no facto de a sua utilização na alimentação obrigar a matá-los -- mas este é um tema, como já mencionei, que retomaremos ao abordarmos o valor da vida, no próximo capítulo. Além de tirar as suas vidas, há também muitas outras coisas que se fazem aos animais de modo a trazê-los para o nosso prato a baixo custo. A castração, a separação da mãe dos seus filhotes, a divisão dos rebanhos, a marcação com ferros em brasa, o transporte e, finalmente, o momento do abate - tudo isto é susceptível de provocar sofrimento e de não levar em consideração os interesses dos animais.
Talvez os animais possam ser criados em pequena escala sem sofrerem desta forma, mas não parece económico ou prático fazê-lo na escala necessária para alimentar as nossas elevadas populações urbanas. Em todo o caso, a questão importante não é saber se a carne dos animais *poderia* ser produzida sem sofrimento, mas se a carne que estamos a considerar comprar foi produzida sem sofrimento. A não ser que possamos acreditar nisso, o princípio da igualdade na consideração de interesses implica que é um erro sacrificar importantes interesses do animal para satisfazer interesses menores da nossa parte; consequentemente, devíamos boicotar o resultado final deste processo. Para quem vive em cidades, onde é difícil saber como os animais que podemos comer viveram e morreram, esta conclusão leva-nos praticamente a um estilo de vida vegetariano.
Practical Ethics 1993, by Cambridge University Press
A maioria de nós não pode defender a sua dieta deste modo. Os cidadãos das sociedades industrializadas podem facilmente obter uma alimentação adequada sem a utilização da carne dos animais. O peso esmagador das provas médicas indica que a carne dos animais não é necessária para a boa saúde nem para a longevidade. Tão-pouco é a produção de animais nas sociedades industrializadas uma forma eficiente de produção de alimentos, dado que a maioria dos animais consumidos foi engordada com cereais ou outros alimentos que poderíamos comer directamente. Quando alimentamos esses animais com cereais, apenas cerca de 10 “do valor nutritivo se conserva na forma de carne para consumo humano. Portanto, com excepção dos animais criados inteiramente à base de terras de pastagens impróprias para cultivo, os animais não são comidos por motivos de saúde nem para aumentar a nossa quantidade disponível de alimentos. A sua carne é consumida como um luxo, porque as pessoas apreciam o seu sabor. Ao avaliarmos a ética da utilização da carne de animais na alimentação humana nas sociedades industrializadas, estamos a considerar uma situação na qual um interesse humano relativamente menor tem de ser contrabalançado pelas vidas e pelo bem-estar dos animais afectados. O princípio da igualdade na consideração de interesses não permite que interesses maiores sejam sacrificados a interesses menores. A argumentação contra a utilização de animais para a alimentação ganha especial relevância quando os animais são submetidos a condições de vida miseráveis, para os seres humanos disporem da sua carne ao mais baixo custo possível.
As modernas formas de criação intensiva aplicam a ciência e a tecnologia em prol da atitude segundo a qual os animais são objectos para o nosso uso. Para ter carne na mesa a um preço acessível, a nossa sociedade tolera métodos de produção de carne em que se aprisionam animais sencientes em condições superlotadas inadequadas durante a totalidade da sua vida. Os animais são tratados como máquinas que convertem forragem em carne e toda a inovação que resulta numa "taxa de conversão" mais elevada, é susceptível de ser adoptada. Como disse uma autoridade na matéria, "a crueldade só é reconhecida quando o lucro cessa". Para evitar o especismo temos de pôr fim a essas práticas. A nossa prática habitual é tudo aquilo de que a pecuária industrial necessita. A decisão de deixar de lhes dar esse apoio pode ser difícil, mas é menos difícil do que teria sido para um branco do Sul dos Estados Unidos desafiar as tradições da sua sociedade e libertar os seus escravos; se não alterarmos os nossos hábitos alimentares, como podemos censurar os esclavagistas que não queriam mudar os seus hábitos de vida? Estes argumentos aplicam-se aos animais criados em unidades industriais -- o que significa que não devemos comer frango, porco ou vitela, a menos que saibamos que a carne que estamos a comer não foi produzida por métodos industriais.
O mesmo se aplica à carne de vaca proveniente de gado bovino encerrado em manjedouras superlotadas (como acontece com a maioria da carne de vaca que se consome nos Estados Unidos). Os ovos são produzidos por galinhas mantidas em pequenas jaulas metálicas, tão pequenas que nem sequer permitem que as galinhas estendam as asas, a não ser que os ovos sejam especificamente vendidos como "ovos do campo", (ou a não ser que uma pessoa viva num país relativamente esclarecido como a Suíça, que proíbe o sistema de gaiolas para as galinhas). Estes argumentos não nos forçam a adoptar na íntegra uma dieta vegetariana, uma vez que certos animais, como as cabras e as ovelhas e, em certos países, as vacas, ainda pastam livremente no campo. Esta situação pode mudar. O sistema americano de engordar o gado bovino em unidades superpovoadas está a espalhar-se a outros países.
Entretanto, a vida dos animais do campo é decerto melhor que a dos animais criados em unidades industriais. Continua, porém, a ser duvidoso que utilizá-los para a alimentação seja compatível com a igualdade na consideração de interesses. Um dos problemas reside, como é evidente, no facto de a sua utilização na alimentação obrigar a matá-los -- mas este é um tema, como já mencionei, que retomaremos ao abordarmos o valor da vida, no próximo capítulo. Além de tirar as suas vidas, há também muitas outras coisas que se fazem aos animais de modo a trazê-los para o nosso prato a baixo custo. A castração, a separação da mãe dos seus filhotes, a divisão dos rebanhos, a marcação com ferros em brasa, o transporte e, finalmente, o momento do abate - tudo isto é susceptível de provocar sofrimento e de não levar em consideração os interesses dos animais.
Talvez os animais possam ser criados em pequena escala sem sofrerem desta forma, mas não parece económico ou prático fazê-lo na escala necessária para alimentar as nossas elevadas populações urbanas. Em todo o caso, a questão importante não é saber se a carne dos animais *poderia* ser produzida sem sofrimento, mas se a carne que estamos a considerar comprar foi produzida sem sofrimento. A não ser que possamos acreditar nisso, o princípio da igualdade na consideração de interesses implica que é um erro sacrificar importantes interesses do animal para satisfazer interesses menores da nossa parte; consequentemente, devíamos boicotar o resultado final deste processo. Para quem vive em cidades, onde é difícil saber como os animais que podemos comer viveram e morreram, esta conclusão leva-nos praticamente a um estilo de vida vegetariano.
Practical Ethics 1993, by Cambridge University Press